Conversar com Silvio Pléticos é mais do que falar sobre arte. É relembrar fatos marcantes da história da humanidade, como a Segunda Guerra Mundial, sob a ótica sensível de um artista que sofreu e se fortaleceu a partir dela. Aos 94 anos, com pouca audição, mas com uma memória clara e viva, Pléticos recebeu a equipe da FreguesiaCULT na sua casa, onde mantém seu ateliê, um sobrado calmo e aconchegante no bairro Bela Vista, em São José. É lá onde o pintor, desenhista e professor de arte vive com sua amada Lili, a esposa dedicada que participou da conversa e que relembrou sua história junto com o artista.
“A gente vive o quanto quiser viver”. Essa frase é repetida diversas vezes pelo artista, para quem o ser humano é “tão grande” que, enquanto tiver forças e vontade, “vai sobrevivendo”. “Da vida, quero me lembrar apenas do que foi bom. Gosto de deixar a tristeza de lado e sempre valorizo a simplicidade”, afirma Silvio Pléticos. E foi assim que ele começou a contar sua trajetória de vida até chegar a Santa Catarina.
Pléticos nasceu em 1924, em Pula, na Itália, que mais tarde veio a se tornar território da Croácia. Passou por guerra e por pobreza, passou fome. Fragmentos de uma vida dolorida que é referenciada constantemente durante a nossa conversa. Ainda menino, perdeu os pais e foi parar em um orfanato, assim como seus irmãos. Sob os efeitos do regime fascista, liderado por Benito Mussolini, a cidade natal de Pléticos estava localizada em uma região de conflitos e, em 1939, ele acabou sendo recrutado para a guerra para defender o exército da então Iugoslávia, apesar de ter apenas 15 anos. E foi aí, que começou a mostrar seu talento ao mundo. Ele era o responsável por publicar mensagens nos murais informativos dos campos de batalha e aproveitava para expor suas ilustrações. A habilidade e o talento salvaram a alma do artista, que se tornou o ilustrador oficial do exército.
Ao final da guerra, em 1945, Silvio Pléticos permaneceu por dois anos em um campo de refugiados, onde conheceu e casou-se com Lili, e chegou a lecionar arte para crianças. O artista estudou na Escola de Arte Aplicada de Zagreb, capital da Croácia, de 1947 a 1954. Nos cinco anos seguintes, atuou como professor de desenho e pintura nessa mesma instituição. E, então, decidiu embarcar com Lili para o Brasil, incentivado por um irmão que havia fixado residência em Ribeirão Preto, São Paulo. Lá, realizou sua primeira exposição individual, em 1961, e, convidado, lecionou desenho e pintura na Faculdade de Arte local até 1965. Nos dois anos seguintes, o casal morou em Porto Alegre (RS), período em que Pléticos ministrou um curso de desenho e pintura na Escola de Arte de Passo Fundo e participou, com suas obras, de exposições como a Bienal Internacional de São Paulo (SP), o 10 Salão de Arte Contemporânea de Campinas (SP) e o Salão ‘Praça da Alfândega’, em Porto Alegre. Em 1967, eles se mudaram para Santa Catarina, fixando-se em São José. “E foi aqui que finquei minha âncora, assim que vi este mar. Foi aqui que decidi morar”, relembra, com orgulho.
E, assim, nasceu o ‘artista dos peixes’, apelido cunhado pela forma recorrente expressa em muitas de suas obras – elemento muito presente na vida de Pléticos, que nasceu e viveu junto ao mar, e que, por diversas vezes, o salvou da fome. O trabalho de Silvio Pléticos era considerado uma inovação para a época, com grande influência do movimento cubista. Em Florianópolis, foi professor de desenho e pintura do Museu de Arte de Santa Catarina até 1972. E nunca parou de pintar e de expor seus trabalhos, de forma coletiva e individual, em importantes eventos pelo país. E, também, no exterior, em exposições realizadas na Itália, na Croácia e na Argentina.
Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo, Van Gogh, Picasso e Cézanne são citados por ele como referências de suas obras, que nunca são batizadas. Elas são classificadas pela técnica aplicada, acrílica ou mista. A mista é a nova fase do artista e criada por ele. Em virtude de problemas de saúde causados pelo forte cheiro das tintas, Pléticos, novamente, inovou: passou a sobrepor a uma camada de tinta a uma camada de cera e a fazer desenhos com uma agulha. A técnica conferiu um aspecto abstrato a suas obras, mas não longe do figurativismo já conhecido. E retirando o seu último trabalho da parede, explica: “se você virar meu quadro para um lado, enxergará uma coisa; se virar para o outro, já tem outra arte”.
Nas paredes e prateleiras de sua casa, Pléticos exibe muitos dos seus trabalhos. Pinturas, desenhos, colagens e esculturas. A grande maioria foi feita por ele; algumas são experimentos da esposa e outras são desenhos de antigos alunos. Para ele, nenhuma obra tem preço para venda. “Não sei colocar valor nas minhas obras. Para mim, elas estão acima de tudo isso. Tem sentimento. Tem emoção”, explica. Pléticos é categórico ao dizer que a arte é a expressão de quem a faz.
“O valor da obra é o próprio homem que dá.
A imagem é física, mas as qualidades são espirituais.
Todos somos artistas”, diz Silvio Pléticos.
O reconhecimento à vida e à obra de Pléticos é expresso pelas diversas honrarias recebidas. A mais recente foi a homenagem prestada no 1º Simpósio Internacional de Esculturas em Pedra, realizado em março de 2016 em São José, quando o escultor Rafael Rodrigues, de Florianópolis, reproduziu uma obra de Pléticos em mármore. A obra está em exposição permanente no Jardim das Esculturas, na Avenida Beira-Mar, junto às demais esculturas produzidas durante o simpósio. O espaço foi inaugurado em março de 2017 pela prefeitura da cidade.
Honrarias:
* Cidadão Honorário da Cidade de Florianópolis (1984);
* Medalha do Mérito Anita Garibaldi, concedida pelo Governo do Estado de Santa Catarina (1994);
* Cidadão Honorário da Cidade de São José (2000);
* Medalha ao Mérito Cultural Cruz e Souza, concedida pelo Governo do Estado de Santa Catarina (2001);
* Fundação do Instituto Silvio Pléticos, em São Pedro de Alcântara (2004);
* Cidadão Honorário Alcantarense, título concedido pela Prefeitura de São Pedro de Alcântara (2005);
* Medalha ao Mérito, concedida pela Associação Catarinense de Artes Plásticas (2012);
* Membro Emérito da Academia Catarinense de Letras e Artes.
Fotos: Ronald Pimentel | Freguesia CULT
Atualização: Silvio Pléticos faleceu no dia 9 de março de 2020, aos 95 anos, por insuficiência respiratória aguda, por um quadro de pneumonia. Ele estava internado no Hospital Florianópolis.
Pléticos, pessoa sensível.
Meu guru. Passava tardes com ele ouvindo sobre arte.
Muito aprendi.
Me deixou um legado que jamais esquecerei.
Sua esposa Lili. Muito amável e cordial.
Saudades.